O Universo da Psicoterapia e o sujeito do desejo








Sou psicanalista, e acho que vocês não se incomodarão se eu disser que a base da psicoterapia é o treinamento psicanalítico (WINNICOTT).

Existo onde me desconheço / aguardando pelo meu passado / ansiando a esperança do futuro (COUTO).

            Quando utilizo as palavras, gosto de explorá-las, buscar seus sentidos, saber o que elas trazem em seus significantes. Como utilizo a perspectiva psicanalítica em minha prática clínica, trabalho com o princípio da associação livre: comunicar o que vem à mente, sem restrições. À medida que enuncio a palavra Universo em meu título, penso no Universo propriamente dito, no sentido literal da palavra. Universo da Astronomia, aquele no qual planetas, satélites e corpos celestes gravitam em órbita ao redor do Sol. Penso que a palavra é fascinante justamente pelas ideias que elas despertam em nossa psique; ela permite que façamos metáforas que aprimoram seu valor e ampliam nosso pensar. Freud definiu a Psicanálise, em dado momento, como a cura pela fala (talking cure). A partir daí, podemos inferir um certo poder à palavra. Ao fazer analogia entre a psicoterapia e o Universo, creio que o Sol seja o sujeito - o paciente - ao redor do qual gravitam outros elementos. Este sujeito é o sujeito do desejo, cujo anseio é possuir o que não tem. Desejo é o que leva adiante, pois o sujeito é justamente este movimento infinito, tal qual o Universo. O que gravita em volta do sujeito do desejo são os Outros. Lacan (2008) diz que o sujeito só é sujeito por ser assujeitado ao campo do Outro (...) A função do desejo é resíduo último do efeito do significante no sujeito" (p. 184 e 152). Assim como o Sol é em função de seus astros, o sujeito é devido ao Outro.
            A psicoterapia seria o lugar - a galáxia - onde este sujeito se situa com seus significantes. Pensando nesta analogia da psicoterapia com o Universo, tenho para mim que o psicoterapeuta seria o satélite da galáxia, corpo celeste que gravita em torno do principal, o Sol, e que concomitantemente exerce influência sobre os outros astros que giram em torno do Sol. O satélite também emite luz própria como o Sol, embora subordinado à luz do Astro-Rei. Este Sistema Solar é dotado de energia, que seriam as pulsões de Freud e Lacan, pulsões de vida e de morte que perpassam pelas relações objetais do sujeito.
            Tornar a psicoterapia um espaço, uma galáxia para que este Universo do sujeito se expresse, com seus desejos e significantes é um desafio para o terapeuta. É o encontro de um Universo com outro, de uma subjetividade com outra. "Quanto à experiência psicanalítica devemos compreender que ela se desenrola inteiramente nessa relação de sujeito a sujeito, expressando com isso preservar uma dimensão irredutível a qualquer psicologia considerada como uma objetivação de certas propriedades do indivíduo" (LACAN, 1951, p. 215). Em seu texto Recomendações aos médicos que exercem a Psicanálise (1912), Freud estabelece que devemos voltar nosso inconsciente na direção do inconsciente transmissor do paciente (p.129). Diz ainda, que a técnica psicanalítica impõe exclusão de toda crítica do inconsciente e de seus derivados (p. 132). Pode-se concluir que a Psicanálise se propõe a trabalhar com a totalidade do sujeito, e que o inconsciente é apreendido no encontro paciente-terapeuta, na transferência. Assim, justifico minha escolha pela clínica de orientação psicanalítica.
            A partir do momento em que Lacan (1964) conjectura que "o sujeito nasce no que, no campo do Outro, surge o significante" (p. 194), pode-se compreender a importância do psicoterapeuta no processo, uma vez que este é responsável pela emissão de significantes que impulsione o surgimento do sujeito do desejo. Por isso a terapia é um processo dialético, onde se encontram significantes do terapeuta com significantes do sujeito em questão: um significante é aquilo que representa um sujeito para outro significante (LACAN, 1964, p. 194).

Por fim, retomo o conceito de Universo e digo que o Universo da psicoterapia é este punhado de significantes que se apresenta aos olhos do analista. Ao identificar e interpretar esta gama de significantes, traz para o consciente elementos inconscientes. Afinal, "o sujeito se apresenta como o que ele não é e o que se dá para ver, não é o que ele quer ver" (LACAN, 1964, p. 105). Este dito marcou-me por sua intensidade. Aludi ao que Lacan disse anteriormente em seu Seminário 11, quando comparou o sujeito cartesiano - o do cogito - com o sujeito freudiano - o do inconsciente. Disse que o primeiro é o que pensa, mas o verdadeiro sujeito está naquilo que não pensa, no inconsciente. O que move este Universo da psicoterapia é justamente o inconsciente do sujeito, pois a verdade nele está, e a verdade, é o desejo.

Autora: Viviane Peter Casser
CRP: 07/24449

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