Bebê, criança; pai, mãe... e a Psicanálise



(...) a chegada das palavras é uma questão de corpos se olhando e se tocando com desejo (GUTFREIND).

Por ora, penso na epígrafe. 
Ao escolhê-la, associei-a ao primeiro grande Outro de Lacan: a mãe. Ela é o primeiro sujeito ao qual o bebê encontra-se assujeitado; nossos primeiras experiências são vividas em nossa relação com a figura materna; ela é capaz de proporcionar um espaço potencial para que o bebê seja, para que viva com ela todas as suas fantasias, com o intuito de que este venha a adquirir confiança no mundo e em si mesmo. No instante em que leio a citação de Celso Gutfreind, logo penso no bebê no momento da amamentação, em seu contato físico com a mãe, no sugar do seio e, principalmente, no modo como a mãe o trata no enquanto está a alimentar o recém-nascido. Creio que justifique meu pensamento se disser que o mundo das primeiras relações exerce um fascínio sobre mim: acredito que é por meio de uma relação suficientemente boa com a mãe que construímos o esteriótipo que conduzirá nossas relações posteriores. Corpos que se olham e se tocam... Olhar e tocar o Outro, eis o desejo que temos de voltar ao amparo dos braços da mãe, aquela que, em um primeiro momento, propicia que nossa fantasia seja vivenciada sem restrições, o que produz a onipotência infantil, a qual continuamos a desejar ao longo de nossas vidas. O que procuramos é um encontro que possa nos permitir ser por inteiro. Todavia, precisamos de uma figura paterna que nos imponha limites.
             Por conseguinte, mãe é essencial e pai muito importante. Entretanto, estamos sempre em busca do prazer de Freud e movidos pelo desejo de Lacan. A vida é uma procura incessante da realização de nossas fantasias, apesar da castração que a realidade nos impõe. A possibilidade de vivenciarmos nossas fantasias, de um modo sublimado, nos é dada por meio dos primeiros objetos transicionais, do brincar na criança e das experiências artístico-culturais no adulto. Todas estas manifestações de procura pelo prazer são movidas por nossas fantasias.

            Todavia, conforme a psicanalista francesa Françoise Dolto (1999), o verdadeiro objeto transicional é a palavra. Então, reflito sobre os paninhos e ursinhos que utilizamos na primeira infância: o bebê obtém prazer ao manipulá-los, ao mordê-los e sugá-los, ao passo que alivia sua angústia por meio da exploração dos mesmos. Concluo que o uso que fazemos das palavras constituem sempre uma busca, a busca pelo que não temos e gostaríamos de ter - a busca por aquilo que o pai proibiu. Ao mesmo tempo, elas aliviam a angústia de nosso não-saber, e também servem para comunicar ao outro aquilo que desejamos - o desejo ulterior pelo seio da mãe. Portanto, a palavra é a expressão mais elaborada de nossas fantasias. Contudo, ela provém dos primeiros objetos transicionais das crianças e do brincar destas, situações que derivam da busca pela sensação de plenitude proporcionada pelos primeiros toques trocados entre o bebê e sua mãe.

            Penso que atualmente vivemos em um mundo de urgências, onde o fazer sobrepõe-se ao ser. Porém, o que realmente é urgente é que sejamos mais crianças, visto que estas costumam ser mais autênticas ao expressarem os desejos que povoam suas mentes. Temos muito a aprender com as crianças. A convivência com elas nos proporciona entrar em contato com a criança que fomos e também com a infância que conservamos ou não em nós. Presumo que o potencial criativo de um adulto se conserve se este souber lidar com a criança que foi. As crianças são mestres na arte de ser, pois são por inteiro em suas brincadeiras.

  Nossa grande tarefa é que sejamos em nosso fazer, de modo que possamos colocar um pouco de infância em nossos atos, pois nosso querer, em última instância, é movido por fantasias e por nosso desejo. Freud dizia que a arte é o que concilia o princípio do prazer ao princípio da realidade. Falo aqui do processo artístico devido a sua similaridade com o brincar infantil: o adulto faz catarse quando cria algo novo.  "A arte é a execução dos insights subjetivos de um indivíduo” (GARDNER, 1997, p. 344). O que há em comum entre o brinquedo de uma criança e as manifestações artístico-culturais do mundo adulto é a criação – mais especificamente, a criatividade. Quando criamos, temos tendência a atingir um conhecimento mais profundo das coisas, ao passo que adquirimos um sentimento de estruturação maior (OSTROWER, 1978, p. 143).

Criar é, basicamente, formar. É poder dar uma forma a algo novo, de novas coerências que se estabelecem para a mente humana, fenômenos relacionados de modo novo e compreendidos em termos novos. O ato criador abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar. (...) Sem nos darmos conta, nós os orientamos de acordo com expectativas, desejos, medos, e sobretudo de acordo com uma atitude de nosso ser mais íntimo, uma ordenação interior. Em cada ato nosso, no exercê-lo, no compreendê-lo e no compreender-nos dentro dele, transparece a projeção de nossa ordem interior (OSTROWER, 1978, p. 9).

Não sou adepta a citações diretas.
Porém, neste caso, senti necessidade de o fazer devido à riqueza de pensamentos que é capaz de nos suscitar a citação acima. Em minha acepção, quando cria-se algo em psicoterapia, tem-se o objetivo de falar por meio do ato. Além disso, é uma busca pela superação dos conflitos que estão subordinados a resistência e repressão: é a busca pela libertação do que foi. É, também, a linguagem do inconsciente a discursar e o mecanismo da projeção a trabalhar incessantemente por meio das repetições entregues a fantasia e a imaginação do sujeito. Logo, criar é um pedido do sujeito dirigido ao terapeuta, um desejo de experimentar novas situações. É, no mínimo, um querer direcionado a realização do que não foi. Condensando duas das minhas últimas frases: o sujeito realiza, de certa forma, o que não foi e liberta-se, até certo ponto, daquilo que foi."O que busco na fala é a resposta do outro. O que me constitui como sujeito é minha pergunta. Para me fazer conhecer pelo outro, só profiro o que foi tendo em vista o que será" (KAUFMANN, 2006, p.190).
Minha constatação é paralela ao fragmento deste autor, pois ao falar estamos buscando criar algo novo. A própria fala já é uma criação, por si só. A fala, a palavra...

Autora: Viviane Peter Casser
CRP: 07/24449

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