"Transferência é amor"


De acordo com Jerusalinsky e colaboradores (1988, p. 108), toda terapia realiza-se graças à transferência, porque ela atua, ativa a repetição inconsciente. Então, por meio dela podemos intervir, analisando-a. O terapeuta é o sujeito em quem são depositadas todas as ansiedades, expectativas do paciente e da família em geral (JERUSALINSKY, 1988, p. 109). Logo, o manejo da transferência tende a ser um desafio para o psicoterapeuta; é preciso ter sensibilidade para identificar que, cada ato, remonta o sujeito às suas experiências anteriores.
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a intervenção que tem como sustentáculo sempre a transferência.
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    Em uma de suas primeiras obras - Estudos sobre Histeria (1895) - Freud postulou que a transferência possui o papel de envolver o analista na psicanálise de um sujeito (KAUFMANN, 2006, p. 54). Logo, a transferência possui um poder na psicoterapia, corroborando o dito de Lacan, que concebe esta como um dos quatro conceitos fundamentais da Psicanálise. Sem transferência, não há tratamento eficaz. Ao pensar Kaufmann e Lacan, fui buscar nas obras de Freud a natureza da transferência e motivo pelo qual seu papel é tão imprescindível para que a relação paciente-terapeuta tenha êxito. Encontro em Um caso de Histeria (1905) uma de suas primeiras explanações mais precisas acerca do fenômeno transferencial:

O que são transferências? São reedições, reproduções das moções e fantasias que, durante o avanço da análise, soem despertar-se e tornar-se conscientes, mas com a característica (própria do gênero) de substituir uma pessoa anterior pela pessoa do médico. Dito de outra maneira: toda uma série de experiências psíquicas prévia é revivida, não como algo do passado, mas com um vínculo atual com a pessoa do médico (p.111).

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A psicoterapia é um lugar que propicia momentos para que a transferência venha à tona; é uma oportunidade que se tem de contar uma história a alguém. É assim que vejo a transferência. Ela é tão imprescindível para a psicoterapia pelo fato de ser por meio dela que o paciente revive suas experiências. E é revivendo que conta. Todavia, ao conhecer este conceito, o psicoterapeuta ou analista deve ter em mente que será alvo de diversos tipos de afetos e atitudes, e é importante levar em conta que as atuações do paciente são para outrem e não para ele. Portanto, entendo Kaufmann quando este diz que a transferência é uma falsa ligação (2006, p. 548).
    Posteriormente a Um caso de Histeria, os principais artigos de Freud sobre o tema foram: A Dinâmica da transferência (1912, 1996), Observações sobre o amor transferencial (1915 [1914]) e Recordar, Repetir e Elaborar, em 1914. Nestes, o autor dedica o texto inteiramente ao conceito em questão. Em A Dinâmica da transferência (1912, 1996), Freud a define como um tópico inexaurível. Entende-se o motivo quando lemos o texto. Conforme o autor, temos um modo próprio de nos conduzirmos na vida erótica, o que ele chama de clichê esteriotípico, o qual é repetido ao longo de nossas vidas.

Se a necessidade que alguém tem de amar não é inteiramente satisfeita pela realidade, ele está fadado a aproximar-se de cada nova pessoa que encontra com ideias libidinais antecipadas; e é bastante provável que ambas as partes de sua libido, tanto a parte que é capaz de se tornar consciente quanto a inconsciente, tenham sua cota na formação dessa atitude (p.112).

    Em psicoterapia, o terapeuta encontra-se disposto a escutar o paciente e a direcionar-lhe a atenção que muitas vezes este não teve em suas outras relações objetais. Daí a idealização que os pacientes fazem do terapeuta, conferindo a ele o papel de sujeito suposto-saber, aquele capaz de satisfazer seus anseios, ao passo que outras pessoas não são.

    Certa feita, meu orientador falou-me que "transferência é amor". De início, soou-me abstrato, mas em seguida pude entender o que quis dizer esta asserção. Amor, um amor a outrem que se dirige à pessoa do terapeuta. Quando se ama, delega-se ao amado a tarefa de que este corresponda afetos e inquietações. Na terapia, o amor representa o desejo de que terapeuta compreenda o sofrimento do paciente.


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