A experiência de estagiar no CAP - FURG
Poderíamos pensar que se a clínica-escola é
voltada para a formação do aluno ela seria determinada pelo processo acadêmico.
Entretanto, não é o processo de ensino que determina a clínica, mas a atenção à
saúde e o cuidado com o sofrimento psíquico. O atendimento à comunidade é,
neste sentido, formador. (MARCOS).
Falar de meu estágio em Psicologia
Clínica, abre campo para que eu apresente o local onde minhas primeiras
experiências na área aconteceram: O Centro de Atendimento Psicológico da
Universidade Federal do Rio Grande (CAP - FURG). Penso ser relevante falar de
meu local de estágio por estar imersa em um ambiente em que pessoas e situações
exercem influência sobre mim. O Centro de Atendimento Psicológico (CAP – FURG) é um serviço-escola que
integra atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão no âmbito da Psicologia
clínica. Está vinculado ao curso de Psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande e possui como objetivo primeiro oferecer local de estágio aos acadêmicos
do curso e de áreas afins.
Consequentemente, proporciona um espaço de escuta à comunidade interna e
externa da FURG por meio de sessões de psicoterapia, as quais são oferecidas
por terapeutas estagiários, por psicólogos técnicos e por professores
terapeutas. O serviço encontra--se em funcionamento desde abril de 2011 e até o
presente momento foram atendidos cerca de 600 casos.
De acordo com Hartmann (2013), a clínica-escola
é um espaço onde são feitas experiências a fim de que se pense como atuar em
clínica com qualidade dentro do serviço público. Ademais,
nela são atendidos casos que não são amparados pela Rede de Saúde Mental da
cidade. Por possuir convênio com rede, os serviços do CAP trabalham em
conjunto com diferentes instituições da cidade do Rio Grande, as quais
encaminham pacientes para nossa clínica-escola, com o objetivo de oferecer
tratamento psicoterápico aos usuários.
Conforme Campezzato e Nunes (2007)
percebe-se uma escassez de publicações acerca de clínicas-escola no Rio Grande
do Sul (p. 364). Por isso, decide abordar um pouco como se dá o funcionamento
do Centro de Atendimento Psicológico da FURG, uma vez que minhas primeiras
vivências como psicóloga clínica aconteceram por aqui. O primeiro contato do
paciente com nossa clínica ocorre nos acolhimentos; estes são realizados todas
segundas-feiras, das 14:00 às 20:00, por terapeutas estagiários. É um momento
que dedicamos nossa escuta à primeira fala do paciente. Este, por sua vez,
discorre acerca do seu motivo de busca pela psicoterapia, de seus anseios e do
que demanda ao nosso serviço. Neste momento, faz-se necessário, também,
recolher os dados do paciente, especialmente telefones e e-mail, com o objetivo
de entrar em contato para agendar a primeira consulta. Nas terças-feiras,
acontece o que denominamos de rounds, reuniões em que nós, terapeutas
estagiários, apresentamos os casos que acolhemos no dia anterior. Cada
psicoterapeuta escolhe o caso que desperta seu interesse. A partir de então,
faz contato com o paciente para agendar a primeira consulta, tendo início
assim, o processo terapêutico. Acredito que a oportunidade que nos é dada de
escolher quem desejamos atender é vantajosa tanto para o paciente quanto para o
terapeuta, já que a escolha é um indicativo de que algo na queixa do primeiro
sensibilizou o último. Não obstante, priorizamos não deixar os pacientes sem
atendimento: casos que terapeutas estagiários não podem assumir, psicólogos
técnicos ou professores terapeutas do local atendem, se possível. Ou seja, nos
valemos de diversas estratégias a fim de dar conta da demanda.
A experiência de atender no
CAP proporcionou-me a realização de um estágio supervisionado: orientações são
sempre de grande valor no início de nossa prática. Além disso, tive a
oportunidade de trabalhar em equipe com outros profissionais e de compartilhar
experiências com meus colegas. "O aluno depara-se com o fato de que a
clínica não é um lugar para se aprender um conjunto de regras técnicas ou um
modo de interpretar, ela é espaço de criação de novas possibilidades de
pensar" (MARCOS, 2011, p. 207). Sendo assim, nossa prática é permeada por
algo que vai além da teoria e técnica. Nosso trabalho é focado no sentir, no pensar
e no fazer. A meu ver, o sentir é basal para que possamos refletir - com o
auxílio de nosso supervisor - e finalmente, fazer, o que é a intervenção
propriamente dita.
O CAP - FURG atende a públicos de
diferentes faixas etárias; dentre elas, estão as crianças. Estas, assim como os
adultos, podem apresentar dificuldades em lidar com seus sentimentos e emoções,
bem como com as situações que ocorrem em seu ambiente familiar. Ademais, a
infância é uma fase do desenvolvimento acometida por uma série de mudanças físicas
e psicológicas, com as quais, muitas vezes, a criança, seus pais e a escola não
conseguem lidar. Nestes momentos, a criança tende a ser encaminhada para
atendimento psicológico, cabendo ao terapeuta responsável pelo caso oferecer
suporte para que a mesma descubra formas de lidar com as vicissitudes de seu
sofrimento.Para tanto, nossa clínica-escola conta com um
espaço reservado apenas para o uso dos pequenos: a sala secreta da ludoterapia.
Ademais, possuímos vários brinquedos para que nossos encontros com os pequenos
sejam prazerosos.
Não satisfeita com o que escrevi até agora sobre
clínica-escola, fui buscar no portal Scielo
artigos que falassem mais acerca do atendimento à crianças em clínicas-escola.
Encontro um artigo intitulado Caracterização
da clientela infantil numa clínica-escola de Psicologia (CUNHA &
BENNETI, 2009). Nele, está escrito que o número de crianças que procura a
clínica-escola em questão é bastante significativo (p. 118). Em dados
quantitativos, a procura infantil corresponde a 51,8% das demandas desta
clínica, localizada na região metropolitana de Porto Alegre. A faixa etária
mais atendida neste serviço era a de crianças entre seis e nove anos. Montei
hipóteses subjetivas sobre este resultado: pensei nesta faixa etária, o que ocorre
nela? É a fase em que a criança precisa começar a obedecer a algumas regras, a
submeter-se o controle dominador da escola; é também a fase de latência, do
abafamento das pulsões. É um período em que os impulsos da fase fálica são
recalcados e o Complexo de Édipo é vedado; os sujeitos tendem a estar mais
vulneráveis à neurose. Penso que a criança precisa abandonar o desejo e a
fantasia nesta fase. Ela é vítima da tão cruel, mas necessária, castração.
Em nossa clínica-escola, já iniciamos uma pesquisa com o
propósito de traçar o perfil da população que nos procura, mas ela está recém
nascendo, não temos dados tão precisos. Entretanto, podemos já inferir que
atendemos a uma boa parcela de crianças. Evidentemente, estudos como estes são
necessários e interessantes para saber quem são as crianças que nos procuram –
e os sujeitos das demais faixas etárias também. Afinal, há um crescente
interesse em pesquisas que pensem os serviços e demandas relacionados à
clínica-escola (CUNHA & BENNETI, 2009, p. 118). Sinto-me satisfeita ao
obter esta informação, pois ela opõem-se ao que Campezzato e Nunes disseram na
publicação de 2007 citada anteriormente. Infiro que já não há mais tanta
escassez em pesquisas relacionadas a clínica-escola. Os estudos nesta área
estão em expansão e creio que podemos fazer algo neste sentido também na zona
sul do estado: dedicar-nos às pessoas que nos procuram, com desejos tão
distintos, mas todos com tanto desejo de desejar.
Autora: Viviane Peter Casser
CRP 07/24449
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